Prezados,

O João Rosa, amigo do blog, enviou-me a simpática mensagem abaixo, que me inspirou a escrever sobre um lendário personagem de Walt Disney: o sovina Tio Patinhas.

Caro F Blanco.
Grato pelas aulas, claras e objetivas.
Já li em algum lugar que os valores já ultrapassam os “quaquilhões” do Patinhas.
Lógico que sendo valor virtual, era onde efetivamente se sustentava a economia mundial

Pois é, quem terá batido os olhos nos gibis do Tio Patinhas e não se espantou (e morreu de inveja) pela sua caixa forte, sempre lotada de dinheiro?

Pois a singela mensagem do João Rosa fez-me refletir sobre como as historinhas do velhinho Escocês ficaram datadas! O meu filhinho de 7 anos provavelmente as acharia patéticas e sem sentido. Logo ele, que aos 3 anos de idade já me sugeria que eu utilizasse o cartão de crédito, sempre que eu negasse seus vorazes pedidos de presente porque “o papai está sem dinheiro”.

Vamos aos fatos:

1.       Sim, Patinhas é escocês. Certas coisas nunca mudam: o povo das Highlands só encontra nos holandeses rivais à altura no Campeonato Mundial de Sovinice. Eu morei/estudei na Escócia e trabalhei para holandeses por longos 14 anos. Sei do que estou falando…

2.       Caixa Forte? Pra que?!? Dinheiro se guarda em banco e é cada vez mais virtual. Viva o cartão de crédito através do qual se gasta sem remorso – pelo menos até o dia do vencimento da fatura. E se você se esquecer de pagá-la, ou não tiver disponibilidade no ato, bem, é só pagar módicos juros de 100% a.a. e está tudo resolvido.

3.       Quaquilhões, disse o João Rosa. O sentido é figurado, mas o que você acha dos seguintes números:

·         Total de derivativos: USD 54 trilhões, igual ao PIB do mundo!!

·         Total de derivativos de crédito: USD 13 trilhões, igual ao PIB americano!!

4.       Tanto dinheiro e nem minuto de sossego. Alguém se lembra de ver o velhote sorrir? Ou fazer caridade, na boa? E aquela famosa cena dele andando em círculos, cavando uma trilha no carpete, devido a tantas preocupações. Legendário. Hoje tomaria Prozac, Cymbalta, Efexor, etc. Será que muito dinheiro e poder são sinônimos de aborrecimento?

5.       E os Irmãos Metralhas então, hoje seriam hackers tentando tomar o dinheiro do velho sovina aplicador. Passariam a vida buscando formas de burlar a segurança das suas contas bancárias. Ou então seriam stock brokers vendedo “o último IPO que é retorno certo”, ou um equity analysts com eterno viés de alta (“Buy, buy!!”).

6.       Mas será que o Tio Patinhas teria mesmo tanto dinheiro empilhado, ainda que virtualmente? Duvido! Os gurus das finanças corporativas o convenceriam que dinheiro parado, aplicado em títulos públicos, rende apenas a taxa básica de juros. “O negócio é investir num fundo de private equity e adquirir empreses em mercados emergentes”, recomendaria um amigo de clube de golf, durante uma sessão de charuto.

7.       Mas logo surgiria o seu Private Banker para vaticinar: “Investir em empresas? O negócio é liquidez e alta rentabilidade, Senhor Patinhas. Temos um fundo de investimento chamado High Yield Leveraged Fund, cuja rentabilidade é insuperável e a liquidez é imediata. Ao ser questionado pelo lépido ancião, o banker gaguejou e disse algo como “É…bem…o lastro são empréstimos imobiliários, mas é tudo de primeira linha, e estes papéis ainda são protegidos por… Credit Default Swaps, ou CDS’s, que o fundo compra de um Hedge Fund que é top de linha…ah, e são ativos AAA, segundo a S&P e a Moody’s…beleza pura.”

8.       Acho que Patinhas não toparia uma parada dessas. Mas acho que ele teria reuniões freqüentes com o gestor do seu Family Office, pois precisa pensar na herança de seus inúmeros e inúteis sobrinhos Donald, Gastão, Peninha, Huguinho, Zezinho e Luizinho.

9.       E eu fico na dúvida se aquela roupinha batida e démodé vermelha duraria muito, afinal, vivemos tempos onde o consumismo é a palavra de ordem. Seria Tio Patinhas dragado por uma Daslu e resistiria às últimas coleções de Ferragamo, Gucci e Zegna?

10.   Mas uma coisa eu não tenho dúvida: dentro de sua própria sovinice Tio Patinhas é ético e íntegro. E, apesar da semelhança física, ele não é nenhum Bernard Madoff, ou Mr. FuckOff, segundo este blog.

Definitivamente Tio Patinhas é um personagem de outros tempos. Tempos em que se consumia com moderação, endividava-se com moderação e, principalmente, especulava-se com moderação. Não havia securitização, desregulamentação, derivativos, globalização, leverage finance, etc.

Nos tempos de Tio Patinhas as pessoas enriqueciam às custas de trabalho, poupança e empreendedorismo. Não havia fórmula mágica. Hoje – ou até outro dia – havia fórmulas mágicas para o enriquecimento e você podia até modelá-las, fazer valuation, etc. – “chique no úrtimo”, como diria o meu amigo Onésimo.

Bom tempos aqueles do Tio Patinhas…vou já pra banca de revistas tentar encontrar o último número e me transportar para lá!

Abraços, Fernando