Caríssimos,
Poucos temas são tão importantes na economia como uma adequada estimativa do crescimento da demanda agregada, ou PIB. Isso vale tanto para o empresário (que precisa planejar sua oferta e seus investimentos), quanto para o cidadão, que antes de se meter em grandes dívidas, poderia estimar a probabilidade de manter seu emprego.
Por outro lado, a evolução do PIB nos dá apenas a direção do AGREGADO da economia. Em outras palavras, ela não é capaz de nos dizer muito sobre o nosso setor de atividade, sobre nossa empresa ou nosso emprego. Até porque tem setor que irá bem, mesmo com a economia indo mal e tem setor que irá mal, mesmo com a economia indo bem. E o mesmo vale para empresas, pois tem companhia perdedora em setor sólido e companhia vencedora em setor ruim.
Isto posto, temos:
1. O Banco Central nos informa mensalmente o resultado da pesquisa que ele faz junto aos departamentos de análise macroeconômica dos bancos – conhecida como Focus. Sigamos: todos sabem que a crise atual mostrou sua cara no dia 21 de janeiro último. De lá para cá, apenas tivemos novas evidências do que já deveria ser óbvio para quem vive de estudar a economia e o sistema de crédito. Pois bem, olhem os resultados da projeção do crescimento do PIB para 2009, segundo a pesquisa Focus ao longo deste ano:
- Mar: 4,06%
- Ago: 3,60%
- Out: 3,10%
- Nov: 2,80%
Francamente…em apenas 1 mês, o pessoal reduziu em 0,3% o crescimento econômico do ano que vem! O que aconteceu de novo de outubro para novembro? Repito, francamente!
2. Enquanto isso, em Brasília, o Ministro Mantega, i.e. o Governo, continua achando que cresceremos 4% em 2009. Como não é ele quem calcula esses números, creio que ele está mal assessorado. O seu colega do Planejamento, Ministro Paulo Bernardo, vem justificando essa estimativa porque o governo “não ficará de braços cruzados”.
3. Leio hoje que o famoso economista Edmar Bacha (atualmente consultor econômico do Itaú) estima um crescimento do PIB ao redor de 2,8% para 2009. Até aí tudo bem. O pior é que ele estima este valor (ou qualquer outro valor) e depois diz o seguinte: há duas correntes de pensamento. Uma que fala que estamos numa situação semelhante aos anos 30 com destruição do sistema financeiro, e que aponta para uma demora maior na retomada. A outra, mais otimista, diz que já foram destruídos os excessos criados pelo sistema financeiro paralelo e sem adequada regulação, o que acelerará a retomada. “Ainda não sabemos quem está com a razão”, ele conclui.
É assim: ele tem razão em dizer que não sabemos mesmo quem tem razão. Ele não exagera ao sugerir que, sim, é possível que ainda venhamos a ver – em breve – a ruína do sistema financeiro internacional do jeito que conhecemos hoje. Os 2,8% que Bacha estima para 2009 valem apenas para a hipótese mais otimista.
4. O produto brasileiro crescerá algo como 5,2% em 2008, mas isso graças ao enorme “carry-over” de otimismo que tomou conta do país no primeiro semestre do ano. Como essa crise global nasceu no centro do capitalismo (EUA e Europa), sua irradiação é mais lenta e, portanto, só chegou aqui neste 4o. trimestre. Muitos dizem que haverá outro “carry-over” para 2009. Sei não. Tem uns poucos economistas sérios que acham que teremos crescimento ZERO neste quarto trimestre, i.e. não haverá crescimento inercial para ajudar 2009 a “pegar no tranco“!
Muito cuidado, portanto, com as previsões de analistas e dos “analistas”. Eles(as), quando projetam, o fazem a partir dos dados disponíveis no momento da análise e sempre as atualizam (i.e. jogam fora a anterior!). Só que você, empresário/cidadão, quando toma suas decisões de vida não pode se dar ao luxo de apertar a tecla DELETE no meio do projeto, e retomá-lo do início, pois as dívidas já foram contraídas, as pessoas foram contratadas, etc.
Vida de analista é bem mais simples do que a sua, empresário e cidadão comum!
Abraços! F.
dezembro 4, 2008 at 9:24 am
O pior é ser a maioria das projeções autorealizáveis.
Abraços!
dezembro 4, 2008 at 9:26 am
Quero dizer, as projeções negativas é que são autorealizáveis. Se um grupo de analistas prever que o crescimento será negativo no próximo ano, automaticamente todo mundo pára de investir e sua profecia se realiza.
Analistas econômicos e profetas religiosos, ponho tudo num saco só.
dezembro 5, 2008 at 10:21 am
Caro Fernando,
. Os pressupostos e antecedentes que, na sua essência, possibilitaram 1929 e suas consequências, esses mesmos pressupostos e antecedentes estão presentes na origem da atual crise financeira internacional.
. O ser humano repete os seus erros. Sempre. A História é a Mestra da Vida. Ficaria muito longo esse meu comentário, se eu detalhasse esses pressupostos e antecedentes. Eu os tenho para quem quiser se aprofundar no assunto.
. A crise financeira atual não chegou até minha fábrica. Possibilidade zero de chegar. Atuo de maneira diversificada produzindo itens que em 1929 e sequentes não foram afetados e até tiveram crescimento.
. Entretanto, esses mesmos pressupostos e antecedentes estão sim afetando e vão continuar afetando vários segmentos, no próximo ano e alguns dos seguintes, tanto na comunidade internacional como, em escala mais amena, aqui no Brasil. Com “marolinha” ou com “marolinha maiorzinha”.
. Tenho conversado, atualmente, com outros empresários que viajam muito para o exterior. Lá fora, mercado parado, atividade reduzida, alavancagem absurdamente elevada em instituições financeiras. Tudo acontecendo como sempre aconteceu quando imprudências gerenciais estão presentes. Paciência. É a vida.
. Registro, de novo, minha gratidão pelo seu gesto de generosidade em compartilhar o seu conhecimento neste blog do crédito.
Abraço fraterno.
Álvaro Stefani.
dezembro 5, 2008 at 6:36 pm
Lembram-se do “efeito Orloff”?
Pois bem, eu tenho a impressão de que nós estamos exatamente onde os EUA estavam há um ano. Essa discussão sobre “desaceleração” do crescimento, “soft landing”, etc, tem um certo ar de dèja vu.
Em dezembro de 2008, a maioria dos economistas por lá ainda receava em pronunciar “the R word”. Hoje sabemos que já estavam entrando em recessão.
O que eu tenho visto são várias empresas demitindo e concedendo férias coletivas.
Provavelmente, passada a euforia de final de ano, algum aumento no desemprego ainda será creditado às vagas temporárias, depois vem o carnaval, lá pelo meio do ano acordaremos…
E aí, lá pra out/nov/dez, o governo vai admitir que vivemos um processo recessivo, que se iniciou ainda em 2008…