0, 23 de outubro de 2008


Nem a lendária personagem do Verissimo, a Velhinha de Taubaté, acreditaria que o governo tomou todas aquelas medidas de ontem “só por precaução”.

Hoje eu tive a confirmação de que o “bicho vai pegar” no final do mês no tradicional “Comprados vs. Vendidos” na BMF… É, aquela história da Sadia que depois teve Aracruz e Votorantim, ainda não acabou…

É aquela coisa: se alguém levar um nocaute, o hospital já estará montado, com alvará de funcionamento, pronto para atender feridos da maior gravidade. Agora, acho que não fariam isso por conta de alguém pequenoserá que tem gente grande com risco de ser nocauteado?

Lembram do post de hoje cedo? Complementando, é assim:

  1. Os bancos não montaram posições especulativas. Não ficaram posicionados em dólar (“comprado” ou “vendido”).
  2. Mas os bancos venderam estruturas com derivativos de dólar para os seus clientes em quantias multi-bilionárias.
  3. Não era para acontecer, mas aconteceu: os clientes perderam rios de dinheiro…
  4. E muitas dessas empresas não querem pagar e estão renegociando (parcial ou integralmente, etc.).
  5. Voltando ao item 1 acima, os bancos haviam montado posições opostas no mercado (e.g. BMF), zerando sua exposição.
  6. Se o cliente não honra o pagamento devido no derivativo (como parece ser o caso agora), o banco fica em APUROS, pois ele deve um pagamento equivalente para a outra ponta.
  7. Isto é o que se chama de counterpart risk. Em outras palavras, o banco estava zerado no risco de mercado, pois comprou e vendeu riscos idênticos (no valor, no prazo, etc.).
  8. Mas para tudo dar certinho, os parceiros do negócio têm que honrar as condições do negócio. Como o credor do banco vai exigir sua parte, o devedor do banco também DEVERIA pagá-lo…
  9. Em condições normais, ninguém deveria quebrar por isso mas, pelo jeito, as quantias são tão bestiais que…vai saber…

Acompanhar o fechamento dos futuros de câmbio no final do mês será emocionante.

Scary, spooky!

Fernando

Caros:

O mercado esquentou onde não deveria. Algumas visões:

1. O que poderá estar causando isso (e sua probabilidade de ocorrência):

  • Fuga massiva de investidores (trocam reais por dólares): BAIXA
  • Especulação pura e simples (moeda sob ataque): BAIXA
  • Bancos (*) e empresas zerando seus riscos com derivativos cambiais: ALTA

(*) É pouco provável que os bancos tenham montado tais posições para especular. No entanto, venderam tais produtos para seus clientes (i.e. ficaram ‘comprados’ em dólar e ‘vendidos’ em reais). Como boa parte dos seus clientes estão “pedindo para renegociar”  as perdas que estão tendo,  os bancos têm que reverter contabilmente suas posições originais, i.e. cada vez que um cliente não honra o pagamento devido (Counterparty Risk, lembram-se?), o banco fica automaticamente ‘vendido’  em dólar – e tem que zerar este risco, i.e. começa a comprar dólar também.

Sim, é complicado para qualquer um! E o mais inusitado dessa situação é que quanto mais os agentes de mercado procuram se proteger, mais pânico causam e mais perdem (até que se zerem, naturalmente). Sucede que os bancos nunca imaginaram que (i) o produto que venderam daria tamanho prejuízo para seus clientes preferenciais (Sadia, Aracruz, Votorantim e outros tantos não divulgados), (ii) estes iriam “sentar para negociar” pois, em tese, esse tipo de cliente não dá calote (paga e pronto).

Nota: não me recordo de jamais ter visto isso nas demais 147 (*) crises cambiais que fui envolvido por dever de ofício. Esta crise é realmente única.

(*) brincadeira quase verdadeira.

E você, empresário que tem dívidas em dólar (e.g. tem que pagar uma importação), ou cidadão que tem que pagar as contas de uma viagem internacional (como eu, por conta de uma que a minha esposa acabou de fazer…)? O que estamos vendo tende a ser passageiro. Se eu estiver certo. Fazer um ‘hedge’ (e.g. fazer um swap, opção, futuro, etc. com um banco) vai custar caro demais e a cotação do dólar já está alta demais.

É possível que o BC esteja deixando a moeda subir porque quer maltratar os bancos e essas empresas. Talvez. Tipo, “Não vamos queimar reservas cambiais para proteger a banca privada que exagerou na dose”. Talvez.

Uma coisa é certa, a tendência é que a cotação do dólar NÃO fique abaixo de R$ 2,20 no futuro, pois a entrada de dólares aqui será uma raridade em 2009 – salvo via exportações e é bom que o governo cuide bem delas. Quem depende de importações deve REFAZER seu planejamento estratégico e orçamentos.

E o seu crédito? Todos os bancos do Brasil (e seguradoras de crédito) vão querer saber direitinho sobre a sua exposição ao dólar, i.e. se você tem fluxo positivo ou negativo na moeda, se tem dívidas em dólar e, principalmente, como irá se virar para reduzir/eliminar sua exposição. Exemplo: se poderá repassar o custo adicional para o preço de venda dos seus produtos ou substituir produto importado por equivalente nacional, etc.

Abraços, Fernando

Hoje fui muito perguntado sobre a razão de ser dessa Medida Provisória (MP): se havia algo de esquisito nela, se algo estava ocorrendo no mercado bancário, etc.

O link abaixo, do Ministério da Fazenda, traz um comentário bastante genérico da mesma.

http://www.fazenda.gov.br/

A MP trata de três temas:

  1. Dá poderes ao Banco do Brasil (BB) e à Caixa Econômica Federal (CEF) para comprarem bancos com dificuldades de liquidez.
  2. Permite que a CEF crie empresa de participações acionárias para que possa comprar construtoras/incorporadoras em dificuldade (seria a CaixaPar, num conceito muito similar ao BNDESPar).
  3. Autoriza o Banco Central a realizar operações de SWAPs em países detentores de moedas de alta conversibilidade.

O item 3 não me parece controverso, pois apenas agrega mais um instrumento de gestão de trading de moedas para a mesa de operações do Banco Central. Normal, bacana, pronto.

Agora, as duas primeiras…achei-as desnecessárias e questionáveis. Quanto à aquisição de bancos pelo BB e pela CEF, eu digo:

  1. Lançar mão desse tipo de expediente e dizer que “não há ninguém quebrado”  (Ministro Mantega) é achar que as pessoas são alienadas. Especialmente por fazê-lo após forte injeção de liquidez e outras medidas voltadas à aquisição de carteiras de crédito de bancos de pequeno e médio portes.
  2. Na verdade, o governo passou recibo de que (a) as medidas anteriores não funcionaram, (b) sim, os tais bancos continuam precisando de dinheiro e (c) talvez a situação não tenha retorno (“paciente terminal”).
  3. O que de fato estará acontecendo? O governo quis criar um mecanismo de pressão para os bancões comerciais comprarem logo esses banquinhos “antes que o governo o faça”?  Terá o governo feito isso porque quer se livrar logo do problema (do redesconto)? Ou será que é porque o Banco do Brasil quer aumentar sua participação de mercado?
  4. Sabemos que os bancos em apuros não sobreviverão sem mudança de controle acionário e/ou venda substancial de suas carteiras. Conforme já disse antes, não me consta que tais bancos tenham problema de solvência (i.e. carteira de crédito ruim), mas sim de liquidez. Porém, talvez as negociações com possíveis/prováveis compradores não estejam ocorrendo em boa ordem.
  5. Corre no mercado que quando o finado Banco Santos entrou em colapso, aconteceu um episódio idêntico a este, i.e. o Banco Central chamou os bancões e os teria “aconselhado” para comprarem as carteiras de crédito dos pequenos. Assim foi feito e logo em seguida tudo voltou ao normal, etc.
  6. Mas, aparentemente, teriam havido alguns ‘acordos de cavalheiros’ entre certos bancos que assim que a poeira baixasse o banco X compraria o banco Y e assim por diante. Diz a ‘lenda urbana’ que alguns bancos a serem vendidos fugiram do acordo, teriam pedido mais do que valiam, etc.
  7. Como alguns bancões teriam ficado na mão, estaria agora ocorrendo uma retaliação. Fofocas, meus caros, rumores, nada de concreto, mas é impressionante como tudo se encaixa direitinho…

Vários “analistas” de mercado logo trataram de dizer que essa MP bagunçou a cabeça dos investidores, que trouxe volatilidade para a bolsa, etc. Minha opinião? Bobagem! Mas que gera um ‘frisson’ desnecessário, isso gera. Se eu sou o governo, só emitiria uma medida dessas se fosse para testá-la no ato, i.e. já comprava logo uns dois bancos!

Concluindo esta parte, essa Medida Provisória reforça a tese defendida no blog: no Brasil, banco algum quebra tão cedo.

Quanto à CEF poder comprar participações em construtoras/incorporadoras, olha, não tenho palavras. Meu post de ontem foi bem direto. É Operação Hospital”… E logo esse governo que tanto falou do PROER, acaba de lançar dois de uma vez só! E feita pra gente pequena que deveria se acertar no mercado, pois traz baixo risco sistêmico. Vai dar o que falar!

https://blogdocredito.wordpress.com/2008/10/22/construcao-civil-mais-um-subprime-verde-amarelo/

Saudações, Fernando